Heitor Villa-Lobos
Maestro carioca faz popular virar clássico
Colaboração para a Folha Online
"Sim sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha música deixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil. Eu não ponho mordaça na exuberância tropical de nossas florestas e dos nossos céus, que transporto instintivamente para tudo que escrevo". Este é Villa-Lobos, o maior compositor brasileiro de música erudita de todos os tempos.
Carioca da gema, nasceu em 5 de março de 1887, no bairro de Laranjeiras. Seus pais, Noêmia e Raul Villa-Lobos, discordavam quanto ao futuro do filho. A mãe queria que fosse médico; o pai, um músico amador que trabalhava na Biblioteca Nacional, não escondia a vontade de vê-lo se apresentando nos palcos.
Foi justamente o pai quem iniciou o pequeno Heitor (ou Tuhú, como era chamado pelos familiares) nos primeiros acordes. Queria que o filho aprendesse violoncelo, mas como aquele era um instrumento muito grande para uma criança, adaptou uma viola. Então, aos 6 anos, com o incentivo do pai, Villa-Lobos iniciaria sua trajetória de sucesso.
Em 1893, Heitor Villa-Lobos viaja com a família para o interior de Minas Gerais, onde começa a receber influência da música do sertão, modas de viola e canções folclóricas. Ao mesmo tempo, a tia Fifinha lhe apresenta alguns trabalhos consagrados, como os prelúdios e fugas de O cravo bem temperado, de Bach.
Aos 12 anos, o músico perde o pai e se torna um autodidata. Volta ao Rio de Janeiro e passa a ler obras de grandes mestres da música, como Wagner, Puccini, além de seus ídolos Johann Sebastian Bach e Vincent d'Indy.
Nesta época, compõe seu primeiro trabalho, Panqueca (1900), peça para violão em homenagem à mãe. Começa também a tocar em cafés e teatros, aproximando-se cada vez mais do gênero popular conhecido como "choro".
Fascinado por temas regionais, Villa-Lobos resolve viajar pelo Brasil afora. Queria conhecer a fundo as tradições e costumes do país. Transformou-se num verdadeiro andarilho, garimpando a cultura popular. Nessas idas e vindas, conhece a pianista Lucília Guimarães, com quem se casa em 1913.
Sua estréia como compositor profissional aconteceu no Rio de Janeiro, em 1915. O concerto não foi bem visto pela imprensa, mas garantiu a Villa-Lobos o reconhecimento do público. Quanto mais famoso se tornava, maior era a admiração que causava entre os colegas. Tornou-se amigo do compositor francês Darius Milhaud e do célebre pianista Arthur Rubinstein, que passaram a executar suas obras pelo mundo.
Tentando encontrar suas verdadeiras formas, compôs nos mais diversos estilos. Fez algumas peças para violão, música de câmara e sinfonias. Nunca se preocupou muito com o acabamento de suas obras. Utilizava sempre combinações inusitadas de instrumentos, uso de percussão popular, harmonia excessivamente livre e imitação dos sons da natureza, principalmente dos pássaros. "Minha música é natural, como a cachoeira", comparava.
Em 1917, Villa-Lobos apresenta os bailados Amazonas e Uirapuru. Um ano depois, define seu padrão esteticamente nacionalista com as suítes para piano A prole do bebê.
Conhecido como um compositor "moderno" e "diferente", foi alvo da crítica especializada, principalmente após participar da Semana de Arte Moderna em 1922. Entre seus maiores algozes estavam os críticos Vicenzo Cernicchiaro e Oscar Guanabarino.
Diante dos ataques, Villa-Lobos viaja para Paris. Não desejava sofrer a influência da vanguarda musical européia, mas, sim, divulgar seu trabalho e ganhar prestígio. Ficou por lá cerca de um ano e só voltou por falta de dinheiro. Fez amigos importantes e garantiu o respeito à música brasileira.
Durante a sua primeira estada na França (depois viriam outras) um dos mais famosos jornais franceses da época, o Liberté, avaliou suas produções como "um modernismo avançado... feito por uma personalidade forte e atraente".
Villa-Lobos, além de músico, era educador. Formulou um projeto de educação musical e o apresentou a diversos políticos da época, em busca de patrocínio. Com o golpe de 1930, Getúlio Vargas toma o poder e o faz viajar pelo Brasil, dando aulas e cursos especializados. O objetivo do programa educacional apoiado por Vargas era, na verdade, reforçar o clima de exacerbado nacionalismo vivido no país pós-30.
Villa-Lobos aproveitou o momento político e tornou o canto orfeônico um meio eficaz de educação em massa. É célebre sua citação: "O canto orfeônico integra o indivíduo dentro da herança social da Pátria; é a solução lógica para o problema da educação musical nas escolas, não somente na formação da consciência musical, mas também como um fator de orgulho cívico e disciplina social".
A convite da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, assume em 1932 a direção da SEMA (Secretaria de Educação Musical e Artística). Nesse período, é instituído o ensino obrigatório de música nas escolas. Como forma de contribuir com a nova lei, Villa-Lobos cria o Guia prático (temas populares harmonizados) e organiza uma orquestra com fins cívicos e educativos.
O trabalho deu certo. Garantiu a Villa-Lobos o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Nova York e uma turnê pelos Estados Unidos, onde foi aclamado como "o maior compositor das Américas".
Porém, uma notícia no final da década de 30 surpreende a todos. Durante uma viagem que fazia à Europa para participar do Congresso de Educação Musical nas cidades de Praga, Viena e Berlim, Villa-Lobos escreve à sua esposa Lucília acabando com o casamento. Quando volta ao Brasil, assume seu relacionamento com a ex-aluna e colaboradora Arminda Neves d' Almeida.
Villa-Lobos teve uma vida agitada. Fez turnês mundiais, compôs, deu aulas, promoveu eventos, gravou inúmeras obras, dirigiu concertos. Foi em meio a toda essa agitação que os médicos diagnosticaram um tumor maligno. Em 1948, foi submetido a uma cirurgia de emergência. Recuperou-se bem, mas desde então sua saúde nunca mais seria a mesma.
Apesar do câncer no estômago, jamais parou de trabalhar. Deixou um acervo com mais de 1500 obras. Morreu aos 72 anos, em 17 de novembro de 1959, no Rio de Janeiro.
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